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Era não, é. A casa em questão é a nossa. Armários vazios, geladeira desligada e vendida, quarto da Olívia desativado. Casa de mãe, sogra, avó acabou virando um mini depósito de coisas que não vão com a gente por enquanto ou que talvez nunca irão, mas que também são preciosas demais para serem jogadas fora. Pouco a pouco as coisas estão indo embora. É estranho, tem horas que da um apertozinho no peito, mas por outro lado da um alívio pensar que tudo está se resolvendo.
A gente pratica o desapego dia a dia. Doamos um monte de coisas ao orfanato, brinquedos, roupas, banheira de bebê. Isso faz bem ao coração. Algumas outras foram vendidas.É estranho estar num lugar que não é mais a sua casa e está ficando cada dia mais impessoal. Até terça-feira temos nossa cama, mas a partir daí já vamos dormir num colchão no chão, estilo acampamento. Olívia vai adorar.
Pra falar a verdade, cada vez que tirávamos algo do quarto dela, ela chorava. Passamos a fazer isso quando ela estava dormindo e ela nem sentiu tanto. Acho que no fundo ela sabe que tem mudança à vista.
Esse texto da Martha Medeiros é bem conhecido, mas eu acho legal deixar aqui, registrado, assim eu mesma posso lê-lo cada vez que der vontade de chorar pelas minhas coisas que já se foram.
Vende-se Tudo
Martha Medeiros
No mural do colégio da minha filha encontrei um cartaz escrito por uma mãe, avisando que estava vendendo tudo o que ela tinha em casa, pois a família voltaria a morar nos Estados Unidos.
O cartaz dava o endereço do bazar e o horário de atendimento. Uma outra mãe, ao meu lado, comentou:- Que coisa triste ter que vender tudo que se tem.
- Não é não, respondi, já passei por isso e é uma lição de vida.Morei uma época no Chile e, na hora de voltar ao Brasil, trouxe comigo apenas umas poucas gravuras, uns livros e uns tapetes. O resto vendi tudo, e por tudo entenda-se: fogão, camas, louça, liquidificador, sala de jantar, aparelho de som, tudo o que compõe uma casa.
Como eu não conhecia muita gente na cidade, meu marido anunciou o bazar no seu local de trabalho e esperamos sentados que alguém aparecesse. Sentados no chão. O sofá foi o primeiro que se foi. Às vezes o interfone tocava às 11 da noite e era alguém que tinha ouvido comentar que ali estava se vendendo uma estante.
Eu convidava pra subir e em dez minutos negociávamos um belo desconto. Além disso, eu sempre dava um abridor de vinho ou um saleiro de brinde, e lá se iam meus móveis e minhas bugigangas. Um troço maluco: estranhos entravam na minha casa e desfalcavam o meu lar, que a cada dia ficava mais nu, mais sem alma .No penúltimo dia, ficamos só com o colchão no chão, a geladeira e a tevê. No último, só com o colchão, que o zelador comprou e, compreensivo, topou esperar a gente ir embora antes de buscar. Ganhou de brinde os travesseiros.Guardo esses últimos dias no Chile como o momento da minha vida em que aprendi a irrelevância de quase tudo o que é material. Nunca mais me apeguei a nada que não tivesse valor afetivo. Deixei de lado o zelo excessivo por coisas que foram feitas apenas para se usar, e não para se amar.
Hoje me desfaço com facilidade de objetos, enquanto que torna-se cada vez mais difícil me afastar de pessoas que são ou foram importantes, não importa o tempo que estiveram presentes na minha vida... Desejo para essa mulher que está vendendo suas coisas para voltar aos Estados Unidos a mesma emoção que tive na minha última noite no Chile . Dormimos no mesmo colchão, eu, meu marido e minha filha, que na época tinha 2 anos de idade. As roupas já estavam guardadas nas malas. Fazia muito frio.Ao acordarmos, uma vizinha simpática nos ofereceu o café da manhã, já que não tínhamos nem uma xícara em casa. Fomos embora carregando apenas o que havíamos vivido, levando as emoções todas: nenhuma recordação foi vendida ou entregue como brinde. Não pagamos excesso de bagagem e chegamos aqui com outro tipo de leveza.... E só possuímos na vida o que dela pudermos levar ao partir, é melhor refletir e começar a trabalhar o desapego já!